A queda do Sol
Oi. Sigo um tanto perdida e afogada na minha rotina, por isso acabei deixando esse cantinho aqui um pouco de lado. Pura falta de tempo. Quando a gente não tem tempo pra ficar à toa, acaba não abrindo espaço para a criação. Enquanto ainda não encontro um modo de fazer trégua com Saturno, decidi mandar esse texto que escrevi e publiquei no meu site em 2021, sobre o Sol em Libra. Naquela época me ocupava muito pensar na ordem dos signos, como vocês vão notar. Bem, por enquanto é isso.
Se a Libra sucede à Virgem é certamente porque encontrou nos detalhes encanto capaz de lhe fazer ascender. Um trevo de quatro folhas, uma flor que se abre tão raramente que vislumbrá-la há de modificar toda a vida de quem recebe essa sorte. A Virgem cuida das plantas não para que floresçam, mas sim para que permaneçam vivas, e essa é sua recompensa. Os florescimentos hão de pertencer à Balança, ainda mais por tantas vezes preconizarem o próprio fim: as flores se abrem antes de murchar, o coentro morre depois de florir. Muitas vezes o trabalho da Virgem é, então, podar as flores para manter vivas por mais tempo as ervas, para intensificar o sabor das folhas. O sabor é feito da matéria dos dias, se nutrindo do solo, correndo a seiva doce pelo floema: nós temos o gosto do cotidiano, não daquilo que se abre em proposital extraordinário. Faço aqui uma translação, pois a Libra representa o outono arquetípico, a morte do mundo enquanto ato, mas a nós, no hemisfério sul, sua temporada se apresenta primavera. Resolvo na efemeridade das flores o impasse, também aos mortos presentamos com coroas de flores. Mora no plantio a possibilidade do encanto, e, como se para nos lembrar disso, a Libra sucede à Virgem. A Libra é a queda do Sol e ao espírito já não importa o duro labor, mas sim com quem se labora. As relações são jogos de abrir mão, nem eu, nem você: nós. Não importa se bom ou ruim, para que uma relação exista, se estabeleça, ente autônomo proveniente do encontro de dois ou mais seres, é preciso que cada uma das partes esteja disposta a desistir um pouco de si. E a desistência não faz parte do vocabulário do Sol, este luminar que insiste em nascer e percorrer o céu todos os dias, não importa o que aconteça. Ao Sol pertence a constância, e a Libra vive ao sabor do que lhe é ofertado. Se o espírito é a centelha inexplicável que anima os corpos, não há de desejar oscilar ao sabor dos ventos, muito menos de querer contemplar a finitude. O espírito sucede ao corpo, este estimado território dos prazeres venusianos, a quem Libra confere domicílio. Ficamos, portanto, diante de uma diminuição da imposição das vontades no mundo, porque é preciso considerar a outra, é preciso considerar os fins daquilo que fazemos. A via dos acordos é tortuosamente dolorosa àquelas cuja natureza é a imposição do brilho, cabeças torradas sob o sol do meio dia, insolações. E que isso não signifique a ausência de mandos, tiranias e malefícios, mas que lhes confira distintas roupagens, estratégias de se fazer valer, contextos aos quais se torna necessária a adaptação, sob pena de não sobreviver. A vitalidade do espírito, do poder, do propósito, se fere ao precisar reconhecer e validar as necessidades das outras, iguais a nós: o mando de uma vale tanto quanto o mando da outra. O Sol tem seu brilho maneirado, atravessa camadas de ozônio, para que a vida possa se fazer possível na terra.